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sábado, setembro 04, 2010

Uma análise parcial da identidade gay na TV Brasileira


“Os meios de comunicação reproduzem o pensamento dominante”. “Em geral, o gay é tratado de forma pejorativa”. Essas duas afirmações, muito presentes no senso comum, são o fio condutor do livro A TV no armário - a identidade gay nos programas e telejornais brasileiros. Na obra, o jornalista e mestre em comunicação pela Universidade Paulista (Unip), Irineu Ramos Ribeiro, avalia a cobertura da Parada do Orgulho Gay de São Paulo de 2007 feita por telejornais de dez emissoras brasileiras (duas delas canais de TV por assinatura). O autor também analisa a versão gay do programa Beija Sapo (MTV), um episódio dos humorísticos Zorra Total e Sob Nova Direção e o último capítulo da novela América, três produções da TV Globo.

Em O arco-íris nas ruas, o autor faz um interessante resgate histórico do ativismo gay no mundo. São abordados o surgimento dos movimentos homossexuais no final do século XIX, contemporâneos à criação da categoria homossexualismo; o episódio da revolta contra a opressão policial no bar Stonewall Inn em Nova Iorque em 28 de junho de 1969, um marco na luta por direitos LGBT; o não-assimilacionismo protagonizado pelo movimento queer nos anos 80 nos EUA e as implicações da força adquirida pelo “dinheiro cor-de-rosa” na forma de fazer política. Contudo, o contexto em que se insere a parada gay analisada por Irineu R. Ribeiro - o movimento homossexual no Brasil - não é discutido no livro.

Ao investigar a cobertura dos telejornais sobre a Parada Gay de São Paulo, o autor identifica que o espaço dado ao assunto (noticiado pela TV Globo 17 vezes ao longo dos oito dias analisados) não tem a ver com simpatia pela causa. Em sua maioria, as matérias abordaram aspectos econômicos (o potencial de compra do público) e ocorrências policiais durante a parada, sendo a TV Cultura a única a citar o lema do evento.

Os fatos são relevantes, mas o tom das análises é pessimista. As entrevistas foram consideradas desfavoráveis porque “reproduziam o clima de festa” mas os telejornais que trataram “os participantes da Parada como manifestantes, numa conotação política” também foram criticados. Até o uso do verbo prestigiar pesou negativamente porque ele “indica apoio, mas sem envolvimento”. De modo que Ribeiro perde a oportunidade de discutir o potencial de alguns programas e/ou profissionais em problematizar o predomínio da norma heterossexual nas emissoras (o que ele identifica na cuidadosa abordagem de Caco Barcellos sobre o tema no Fantástico).

Comentários mais produtivos surgem na análise da versão gay do Beija Sapo. No programa, o rapaz que escolhe um dos três pretendentes descreve o que um homem deve ter para conquistá-lo: “para ser o príncipe, ele não pode miar”, ou seja, ter voz fina (atributo associado à “bicha pintosa”). Além disso, os candidatos que não se enquadram nos padrões de masculinidade são desqualificados com piadinhas: “Eu quero uma explicação para esta sandália”, diz Daniela Cicarelli (apresentadora do programa) ao ver uma melissinha prateada no quarto de um dos garotos. Como o autor observa, trata-se de uma demonstração do preconceito (presente em gays e heterossexuais) contra homossexuais com sinais de feminilidade, o que também implica em uma inferiorização do próprio gênero feminino.

Sendo um livro que analisa o meio televisivo a partir de formatos diversos, A TV no armário também incomoda por questões de outra ordem. Furtar-se de, em alguma medida, discutir quais distinções estão implicadas quando o tema da identidade gay é abordado em um telejornal, um programa de auditório, um seriado humorístico ou uma telenovela parece uma escolha problemática do autor.

Um exemplo. As tramas e os personagens das telenovelas sofrem várias mudanças durante os meses em que elas são exibidas. Sendo assim, concluir, com base somente na observação do último capítulo, que “novelas como América transformam sujeitos em objetos de deboche” é, no mínimo, uma atitude precipitada. Nesse caso, a obra não contempla uma outra questão. Na atualidade, não somente o personagem alvo de deboche mas os gays, lésbicas, travestis e transexuais representados “naturalmente” (tão enquadrados nas normas que perdem sua especificidade) devem ser motivo de preocupação.

postado por Tess Chamusca | 10:46 AM

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